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Precisamos reescrever a história da Sexualidade Feminina

Com certeza você já deve ter ouvido por aí afirmações do tipo “a sexualidade feminina é muito complexa”, “mulheres não gostam de sexo” ou ainda, “orgasmo é raro e muito difícil para quem tem uma vulva”, certo?

Mas, de onde vem todas essas questões? O que, afinal, aconteceu com o tema da sexualidade feminina para que ele ganhasse esse ar de tabu, de problema? Vem com a gente nessa reflexão! 👇

Por que tantas mulheres têm queixas sexuais?

Se você acompanhasse o dia a dia de um consultório de ginecologia, ficaria até tentada a confirmar todas essas historinhas que contam pra gente, já que a quantidade de queixas sobre sexualidade vindas das mulheres é imensa. Existem pesquisas que apontam que 70% das mulheres têm alguma queixa sobre o assunto. Há também muita mulher à procura de um diagnóstico, alguma alteração anatômica ou hormonal que comprove que é uma questão biológica, daquelas possíveis de se resolver com um comprimido ou uma cirurgia.

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70% das mulheres têm alguma queixa sexual. O que isso significa?

E se eu te disser que, embora casos de saúde realmente existam, eles são a exceção? Que dessa imensa quantidade de mulheres que frequentam os consultórios atrás de respostas, pouquíssimas têm realmente alguma alteração física? E que não existe um “viagra feminino” ou remédio que resolva magicamente as questões sexuais femininas? O caminho não é por aí.

A raiz da questão está, em grande parte, em fatores sociais, começando por como a história da sexualidade foi contada. E ainda por quem ela foi contada. Vem comigo que eu te explico melhor. 😦

Quem contou a nossa história?

Não é segredo para ninguém que vivemos em uma sociedade patriarcal. Apesar das mudanças recentes, nos últimos séculos os homens ocuparam a imensa maioria dos espaços de poder e, durante anos e anos, as mulheres ficaram relegadas aos espaços privados e cuidados do lar.

Ou seja: quem tomou a maior parte das decisões? Ditou as regras? Conduziu os estudos? Apareceu nos livros? Contou a história, a nossa história? Isso mesmo, os homens! E principalmente os homens brancos, heterossexuais e cisgêneros, que contaram a história do ponto de vista deles, é claro. Seguindo suas próprias opiniões, achismos e aquilo que mais os beneficiava.

Na religião, mulheres eram detentoras do pecado, já que por culpa de Eva, Adão comeu o fruto proibido. Na ciência, por sua vez, corpos femininos eram vistos como versões incompletas e até incompetentes dos homens – o próprio órgão genital era tratado como nada mais do que “um buraco para receber o pênis”.

Você sabia que o próprio nome “vagina” deriva do latim “bainha”, ou “uma capa para guardar espada”? E quem foi que a nomeou assim? Isso mesmo, um homem. Mais precisamente o anatomista alemão Johann Vesling. É…

Ainda tivemos Freud afirmando que o orgasmo vaginal era superior ao orgasmo clitoriano. Ele dizia até que a capacidade de atingir orgasmos vaginais era fundamental para o desenvolvimento psicológico de uma mulher. Oi?! Se isso te parece absurdo hoje em dia, lembre-se que ele era um homem bastante influente, que suas falas foram marcantes na época e que repercutem até hoje.

Inclusive, uma das maiores queixas das mulheres é que elas desejam ter orgasmos com a penetração. Mesmo que estudos recentes mostrem que menos de 25% das mulheres chegam “lá” sem o estímulo clitoriano. Entende? Foram anos de médicos, cientistas e tantos outros homens que fizeram de tudo para provar que as mulheres eram seres inferiores, ou apenas uma espécie de “homem defeituoso”.

Agora, cabe a nós recontar essa história. Mas por que isso é tão necessário?

Veja se você concorda comigo: quando contamos uma história sob uma única perspectiva, ignoramos outras vivências, potências e possibilidades. E o que tivemos ao longo da história foram homens como modelo do que é certo, de como o prazer funciona, de quais práticas devem ser realizadas, enfim, ditando as regras todas. E as mulheres que se encaixassem nesse padrão – caso contrário, teriam algum problema. Mas quem melhor que as próprias mulheres para falar sobre nossos corpos e nossa sexualidade?

Nesse processo todo errado, até mesmo os conhecimentos anatômicos sofreram impacto. O clitóris, por exemplo, tão importante e tão renegado ao longo da história! Ele só teve sua anatomia completa descrita em 1998 – não, você não leu errado – não faz nem 30 anos! Isso foi feito pela urologista Hellen O’Connel e cá estamos nós, já há algumas décadas, tentando provar socialmente o seu valor.

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Tem alguma coisa errada! O clitóris só teve sua anatomia completa descrita em 1998.

Agora imagine o contrário, isto é, alguém em pleno século 21 tendo que convencer as pessoas da importância do pênis, educar sobre sua estrutura e sobre como ele deve ser estimulado. Afinal de contas, o prazer masculino também importa, não é mesmo?! Soa ridículo e até irreal. Mas é exatamente isso que aconteceu com o nosso clitóris.

Todas essas mensagens erradas e desconhecimento privaram as mulheres do entendimento da sua sexualidade e repercutem até hoje na imensa quantidade de queixas sexuais – dificuldade de orgasmo, pouco desejo sexual e dor na relação são algumas das mais comuns. Se você já tocou no assunto na sua roda de amigas, sabe do que estou falando. A verdade é que sabemos muito pouco sobre a sexualidade de corpos com vulva. Falta informação, conexão e permissão.

Sabe outra grande consequência disso? É que nós transamos errado! Por conta desse histórico, praticamos um sexo focado na penetração e no prazer do outro, sem os estímulos adequados e sem a percepção real do que desejamos. Bem aquilo que o filme pornô tenta mostrar como certo, sabe?

Isso precisa mudar e o caminho passa por reescrever a história da sexualidade – sobretudo a feminina.

E como faremos isso?

Desconstruindo essas informações e crenças erradas que recebemos. Isso se faz compreendendo esse processo todo que discutimos acima e, a partir daí, abrindo diálogos sem tabus sobre sexualidade.

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Vamos juntas construir uma sexualidade mais saudável e positiva?

E também construindo uma sexualidade mais saudável e positiva através de informações, educação sexual e criação de espaços para trocas honestas e reais. Claro que esse é só o começo, mas pode acreditar: já significa BASTANTE coisa!

Esse vai ser o nosso objetivo por aqui. Ousado, né? Mas assinamos aqui nosso compromisso de aliadas nessa luta. Queremos fornecer todas as ferramentas possíveis para essa REVOLUÇÃO. E contamos com vocês para ampliar nossas vozes e espalhar essa mensagem por aí. Vamos nessa?

Com carinho, Marcela Mc Gowan (@marcelamcgowan)
Ginecologista graduada em Sexualidade e fundadora da Magix

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OBS: Neste texto usamos os termos “homem” e “mulher”, assim como sexualidade “masculina” e “feminina”, referindo sobretudo a corpos cis. Sabemos e validamos todas as existências, gêneros e possibilidades de identificação. Essa divisão se fez necessária nesse texto pois as referências e dados históricos que temos foram, em sua imensa maioria, divididos em um sistema binário de gênero que usou genitais como padrões definidores. Mas muitos outros textos existirão nesse espaço e contemplaremos outras realidades também. Estamos falando de escrever novas histórias, não é?

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